'Agora é assim, de um lado a poesia, o verbo, a saudade.. '

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Os moços de Porto Alegre - Antônio Fagundes



Escritores, jornalistas,
aqueles que sabem tudo, ou pensam que sabem tudo…
disseram que já morreste. Ou então que estás de a pé,
sem cavalo, sem bombacha, sem bota, espora ou chapéu,
sem comida e sem estudo.
Moços da voz de veludo e máquinas de escrever
produzidos no estrangeiro, dizem que tu, companheiro,
morreste ou estás mui mal, porque o êxodo rural
te atirou pelas sarjetas sujo de pó e de barro
catando a toa cigarro nos becos da capital…

E no entanto, estás vivo! Estás vivo, trabalhando
e produzindo o que comem esses moços do jornal.
Quem é gaúcho, afinal?
Tenho pra mim que são três: Um é o peão, o assalariado,
o operário campeiro. O segundo é o estancieiro,
o empresário rural. O terceiro é o camponês
que se agüenta bem ou mal sem ter nem peão nem patrão.
No mais, é um homem solito, um carreteiro, talvez.
São os homens de a cavalo que agarram o céu com a mão,
rasgando fronteira e chão, marcando terneiro a pealo,
bebendo o canto do galo no alvorecer do rincão.

São três homens diferentes? No fundo, os três são um só:
mesma fala, mesma roupa, mesma alma, mesma lida…
Em resumo, mesma vida, mesmo barro e mesmo pó.
Um mais rico, outro mais pobre. Prata, ouro, lata ou cobre
que importam, se homem é nobre e amarra no mesmo nó?
A bombacha que eles usam tem um século. Cem anos!
Os arreios do cavalo são muitos mais veteranos:
duzentos anos talvez. E o chimarrão, o palheiro,
o churrasco, o carreteiro, o truco, a tava, as campeiras,
a gaita, o chote inglês…? São dos séculos passados,
já tinham, em 93.
E a mesma mulher gaúcha inspira cada vez mais.
E a paisagem é sempre a mesma. Eterna, mas sempre nova.
Do litoral à fronteira, da serra aos campos neutrais.
Das missões até o planalto, para frente e para o alto
como regiões naturais, do verde das sesmarias
até o ouro dos trigais
- as duas cores da pátria que o Rio Grande esparramou
nas plagas meridionais.
Porque o Rio Grande é eterno, como é eterno seu luxo:
tu não morreste, gaúcho, deixa que falem, no máas.
Deixa que o fraco de sempre, (o fracassado, o vencido)
tente te encerrar no olvido que o futuro lhe promete.
E que te chamem de Odete, os desfibrados morais:
no lombo do teu cavalo estás tão alto, tão alto,
que a lama preta do asfalto não te alcançará jamais!
Meu pai veio da campanha com a mulher e dez filhos
e veio para abrir trilhos, foi sempre um homem de bem.
Jamais andou mendigando, catando lixo nos valos
ou toco pelas sarjetas. Não se esqueceu das carretas
nem do tranco dos cavalos.
Nasceu e morreu gaúcho. Trabalhou e foi alguém.
E eu herdei seu evangelho. Me orgulho daquele velho

- eu sou gaúcho também!

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